domingo, 26 de julho de 2009

Souvenir


Tonico come formigas e diz que elas têm sal. Diz que toda vez que vê um dinossauro tem vontade de pega-lo. Eu escrevo e armo no papel meu pequeno tabuleiro de palavras-souvenirs e lhe pergunto aonde viu um dinossauro. Ele aponta em inúmeras direções o dedo pintado de tinta óleo azul. Inclusive o cirro mais alto da tarde, um rabinho de cavalo. O tabuleiro está pronto... Lírico, trepidante, libertino, platiplanto, entre outras palavras que vão dar no sem fim. Pergunto a Tonico se ele sabe fazer avião. Não. Quer aprender? Não. E fica olhando de perto minha imperícia em dobrar papel. Demoro, para ganhar importância. Quando enfim lanço em vôo as palavras-souvenirs, vejo os olhos encantados de Tonico, que refletem um pequeno avião de papel sobrevoando um dinossauro.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Esperando agosto

.
Eu era bem menina quando me ensinaram que agosto era mês de cachorro louco. Fazia sentido: no lugar onde eu morava, nos confins do Paraná, o clima de agosto era propício à proliferação do vírus da raiva canina. Cachorro louco era coisa comum por lá, de forma que cresci com este agosto estigmatizado na ideia. Além de mês de cachorro louco, era o mês da bruxa solta, do azar desgovernado e uma série de outras crenças.

Pelo mundo inteiro agosto é uma ameaça porque historicamente coisas terríveis aconteceram neste mês, gerando paranoias universais. Mas no balanço geral, acredito que outras coisas não menos terríveis aconteceram em outros meses e nem por isso se teme outros meses.

Foi em agosto que as cidades de Hiroshima e Nagazaki foram destruídas pelas bombas atômicas, foi em agosto que Hitler assumiu o governo alemão e começou a fazer o diabo, que Nelson Mandela foi preso, que se iniciou a construção do muro de Berlim, que Elvis Presley, Marilyn Monroe, Trotski, Nietzche e a princesa Diana morreram, que nasceu Bill Clinton...

Em compensação, foi em agosto que nasceram Herman Melville, Louis Armstrong, Alfred Hitchcock, Jorge Amado, Tolstoi e a Madre Teresa de Calcutá. Se isto não é suficiente para demonstrar que agosto é um mês injustiçado, foi em agosto que se iniciou o Festival de Woodstock, do qual eu poderia ter participado se não morasse nos confins do Paraná e se não tivesse três anos de idade. Mas este desejo é assunto pra outro dia.

Agosto só se tornou agosto em homenagem ao imperador romano César Augusto, que não queria ficar por baixo do imperador Júlio César, que por sua vez já era dono do mês de julho. E como julho tem 31 dias, César Augusto bateu o pezinho e disse: eu também quero! Por isso agosto também é de 31. Antes desta crise de frescura, agosto se chamava Sextil.

Pra quem não sabe – e eu também não sabia até hoje, parte do medo do brasileiro do mês de agosto foi herdada de Portugal. Como a época era a melhor para o início das navegações, em Portugal mulher nenhuma queria casar em agosto, porque o marido ia embora pro mar e em muitos casos nunca mais voltava. Morria afogado, se arranjava com outra em outro porto, etc... É por isso que no Brasil se diz que casar em agosto traz desgosto. Agora, não lavar a cabeça no mês de agosto, porque disque isso chama a morte, é coisa de argentino.

Portanto, prefiro esperar agosto como quem gosta da vida, e não como quem espera uma chuva ácida.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Querido pai

.
Meu pai tem nome de poeta: Casemiro... Nasceu no Rio Grande do Sul, na década de 1930, mas não chegou a antenar-se nunca na efervescência cultural da época, na revolução industrial, na nova poesia modernista, nos romances regionalistas, na popularização dos automóveis e etcétera. Morava nos mais longínquos rincões gaúchos e precisava plantar e criar o que ia comer. Mas ouvia rádio nas altas oito horas da noite, cansado de roça, espiando pela janela a cadência das estrelas sobre o matão e com a cama já preparada para dormir. O arado à espera para a madrugada do outro dia.

Por isso sei que os ouvidos de meu pai foram educados pela mais pura música sertaneja de raiz, aquela que cantavam Cascatinha e Inhana, Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho... Aquela mesma que ele teimava em continuar ouvindo em discos antigos quando eu já era adolescente e morria de rir de seu gosto pré-histórico.

Um dia, muito tempo depois – eu já era bem adulta – surpreendi meu pai encantado com uma música que eu costumava ouvir nas ocasiões em que tentava desvendar o que fazer para unir o fio das minhas saudades à presença real do objeto de minhas saudades... Era Louis Armstrong cantando What a wonderful world.

Ontem entrei no supermercado no justo momento em que no sistema de som ambiente Louis Armstrong começava: I see trees of green, red roses too/ I see them bloom for me and you/And I think to myself/what a wonderful world... A música de meu pai, pensei, e então de repente me lembrei que era o dia de seu aniversário. 13 de julho. Seu Casemiro estava fazendo 74 anos.

Deixei lá na cestinha o pacote de arroz com brócolis que fui comprar. Saí do supermercado para chorar de saudade de meu pai no meio do sol de meio-dia, pois já era tempo de arrepender-me das tantas vezes que zombei do sertanejo que havia em sua alma, as mesmas vezes em que ele desligou o disco de suas poucas manhãs de folga somente para me agradar.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Semeadores de utopias

Estou começando hoje a compor uma lista de nomes que tiveram e têm relevância nas lutas pela preservação do meio ambiente em todos os tempos. São os semeadores de utopias ligadas à natureza. Gostaria de receber sua contribuição. Acrescente, belos olhos e doce coração que me lê, um nome a esta lista que até agora está ssim:
.
Chico Mendes, Liev Tolstói, Buda, Dorothy Stang, Bacon, Rousseau, Aristóteles, Virgílio, Fernando Gabeira, Marina Silva, Mary Allegretti, Antônio Alves,Vandana Shiva, Brundtland, Muir, Carson, Darwin, Thiago de Mello, João Alberto Capiberibe, Christiane Torloni, Lovelock, São Francisco de Assis, Marx, Mahatma Gandhi, Heidegger, Betinho, McKibben, Al Gore, Júlio Roberto, Tom Jobim...
.
Muito obrigada. A razão eu conto depois!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Meninos de julho

Do livro Lugar da Chuva
.
Em caminhadas crepusculares pelas ruas da cidade, pergunto-me por onde estarão perdidos neste setembro aqueles meninos que soltam pipas em julho. Vi um deles passando ali pela esquina entre as avenidas Rio Pedreira e Rio Tocantins. Sobre sua cabeça havia mil bolhas imaginárias ocupadas pelas maquinações da infância, bicicletas voadoras, sapatos com imensas molas propulsoras, asas de papelão, o sonho pré-histórico de voar alimentado pelo homem... Ia cabisbaixo, esperando julho chegar. Um outro atravessava distraído a monotonia da praça Chico Noé. Talvez pensasse em como seria bom se, em vez de empinarem pipas, pipas empinassem meninos. Os outros, não sei por onde andam, neste setembro vazio de meninos nas ruas, quando os jambeiros da General Rondom derramam flores nas calçadas e as mangueiras da Leopoldo Machado repousam até abril.
Os meninos de julho amanhecem colorindo com pipas o céu às margens do Amazonas dourado, cujas águas ondulam desde o princípio do mundo. Circundam a secular Fortaleza de São José de Macapá, onde dormem os negros que a construíram, iluminados pelo sol menino que penetra as paredes de pedra. Correm incansáveis e descalços no sedimento da praia, até que se acendam as luzes do trapiche, até que julho termine.
Agora que o menino está sonhando, Macapá sente a falta de pipas cruzando o céu, transportando o sonho de voar do menino.