Pegasus
Pegasus foi como o chamei. Tinha o cavalo alado tatuado no braço. Na primeira vez que o vi, conduzia um carro molhado que deslizava no asfalto veloz. Do alto da janela, e com os olhos respingados, eu reconhecia a bênção da chuva que viera encharcar os gramados do casarão. Na outra vez, era uma outra chuva, e eu continuava na janela. O carro passou manso e Pegasus acenou. Na terceira vez parou, desceu e esperou que eu fosse ao seu encontro. “Você mora na janela?”, perguntou de longe, o braço nu mostrando as asas surreais do cavalo. Eu lhe disse que sim, que minha alma morava. “Eu vou levar você daí”, disse ele, e seu olhar tinha a promessa de uma constelação boreal ao Norte do Aquário e ao Sul de Andrômeda. E eu lhe respondi que iria com ele, desde que fosse presa às suas grandes asas. Ele riu, com a inocência de quem compreende o impossível. No outro dia, passou voando rente à janela onde eu ficava, transmutado em Pegasus, as asas brancas reverberando ao sol tímido de um janeiro de chuvas. Foi a última vez que o vi. Diante do meu assombro e da minha recusa, voou sozinho, rompendo nimbos de chumbo pela tarde transcendental