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A lembrança é remota, como das coisas que se vivem em sonho. Mas lembro que atravessava o Largo da Ordem numa tarde de ventos em que os canteiros da Praça do Relógio explodiam em flores de primavera em pleno verão de Curitiba. Foi então que o anjo, que neste dia andava calado ao meu lado, me disse ao ouvido: “olha o poeta...” E olhei, e vi que daquela vez não era mais uma promessa que me fazia o anjo, que costumava caminhar com a mão entrelaçada à minha sob as paineiras.
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O poeta estava mesmo ali, ao alcance de minha crença pueril de que a poesia podia ser vista com os olhos. A despeito do tempo, continuo acreditando. Estava ali, Leminski, com a elegância de “um homem com uma dor” que ganhava o tempo de toda uma tarde comovendo-se com os pequenos pássaros de papel que os colegiais libertavam sobre os gramados.
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Estava ali, recolhendo versos do quadro da tarde, e como se nos “olhasse de dentro de um diamante”, sorriu ao nos ver passar, como passavam os pássaros de papel no vento. Ou porque tivéssemos os olhos de quem testemunhasse uma aparição cósmica. “Leminski...”, sussurramos eu e o anjo, naquele instante cristalizado no tempo, e depois apenas o vimos se ir, telúrico e quase marginal, caminhando “assim de lado”, levado pelo crepúsculo, com um pássaro de papel colhido na concha da mão.