sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Divaganças


Uma revoada de folhas secas pode ser tão bonita quanto uma revoada de andorinhas.

Folhas secas, quando caem, se parecem com borboletas que voassem em espiral.

Borboletas têm vida mais curta que folhas. Folhas secas podem durar 10 anos.

Uma andorinha sozinha pode fazer qualquer estação.

As estações servem para mostrar que todas as coisas da natureza têm alma.

A alma do vento me possui no verão. No inverno entrego a minha à chuva.

A chuva tem poder curativo. Na manhã me cura a preguiça. Na tarde, meu calor. Na madrugada, a solidão.

Poucos seres no mundo são tão generosos quanto uma árvore.

Quem tem coragem para derrubar uma árvore tem também covardia para plantar concreto no lugar.

Olhar as coisas sem vê-las é como matá-las um pouco. Às vezes muito.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Esses dias...

Faz dias que nada penso, nada escrevo, nada prometo... culpa do Manoel de Barros, poeta e anjo, que me ensinou a voltar o ouvido para os conversamentos das pedras, os olhos para a anoitecência das mariposas e a alma para a poesia pantaneira das ignorãças.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Contradança II

Haja o que houver, há de chegar a chuva, branca, telúrica sobre minha nudez estendida ao chão e exposta ao céu rachado em tiras de fogo. Tenho o ouvido colado à terra, onde ouço Madredeus e os resquícios das vibrações do big bang. Mergulho no beijo inspirado em vodkas e mentiras infernais colhidas nas promessas do acaso. Acordo o desejo encostado em sombras, o desejo que pulsa na boca, antes da queda vertiginosa, irreversível, imprescindível, das alturas geológicas do tempo e dos abismos do corpo. Componho recados inócuos, bilhetes em hieroglifos, teorias do esquecimento que são lidas em meus olhos por olhos gris. Não volto para a ceia, não preciso da porta aberta, não acendo a luz da espera. Antevejo a doçura da chuva. Nasceram-me asas voltadas para o caminho do tempo crepuscular, onde o meu amor não tem mais dono. Talvez eu voe, talvez morra, talvez pouse no telhado junto aos gatos, até que a chuva, translúcida e também alada, me conceda uma contradança.