terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Manhã

Acaba de amanhecer no mar. Foram-se embora da praia os visitantes noturnos, deixando a pequena fogueira com as brasas ainda acesas. Deixaram também seus papéis, suas cifras, que estão sendo levados pelo vento para outras paisagens, e levaram o violão, que atravessou insone as cantorias da madrugada. Ficou alguém deitado na areia, junto à fogueira, abraçado aos sapatos. Se o mar se esticasse mais um pouquinho lhe alcançaria os pés nus. Quando despertar, depois que este primeiro sol termine de lhe farejar o corpo imóvel como o de um morto, cujo único movimento é o dos cabelos e o da manga da camisa que freme como uma folha, andará errante e perdido de fome e abandono pela praia que não sabe ao menos onde é. Atravessará o tempo e os avisos de perigo pensando na moça de cabelos negros que na noite na praia lhe disse o último não. E esquecido de todas as teorias do acaso e do esquecimento, atravessará a tarde a escrever pequenos poemas na areia, que o mar depois apagará. Até que chegue outra noite, e ele possa enfim, ainda abraçado aos sapatos, sentir que o tempo liberta seu coração para voltar pra casa.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Ana e o mar

De tarde vejo Ana vestida de azul sobre uma rocha, procurando no horizonte o fim do mar. Sabe que de lá virá seu homem que foi para voltar. Como prometeu, ele trará uma esmeralda tão verde quanto os olhos de Ana, e ela espera há tantos sóis, que talvez se tenha perdido nas contas dos navios que viu chegar sem trazer o marujo sujo, de retorno à pátria e ao seu abraço. Um dia ele chegará com a pele curtida do calor de outras pátrias, com os cabelos compridos e amendoados pelo sol, e terá nas mãos o gosto amargo dos adeuses inumeráveis em outros cais. Nos olhos a luz serena das tardes de Fiji. Ana acolherá seu marinheiro, sem perceber que aquelas mãos que pousam como asas em seus cabelos têm ainda a areia das praias onde ele viveu estrangeiros amores, que sua pele tem o sal ainda fresco do suor de outras peles, e que seu coração não tem mais porto. E o marinheiro, acostumado à luz pálida da solidão dos olhos de tantos marujos do percurso, não perceberá que os olhos de Ana continuarão estendidos ao mar, à espera do homem que virá.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ano do Boi

Chegamos ao ano do boi no horóscopo chinês, o signo da prosperidade e do trabalho duro. Não sei exatamente o que isto representa, se vou ter que continuar trabalhando duro em busca da prosperidade ou se isto está reservado apenas aos que nasceram sob o signo do boi. Eu sou cavalo... será que pra mim o ano vai ser moleza? Seria uma grande novidade. Acho que nunca consegui nada na vida sem ter que brigar muito e carregar muita estiva. Mas quase sempre consegui. Prefiro pensar que o que não consegui foi porque Deus pensou em outra coisa pra mim e não gosta de ser contrariado. Seja o que for, tenho um pacto comigo: neste ano, abaixo a rotina e as convenções!

Bem-vindos os que têm vindo. Não estou preparando nenhuma canção em que alguém se reconheça nem que fale como dois olhos, mas caminho por ruas que passam em muitos países, se não me vêem, eu vejo, e saúdo os animais que morgam nas tardes das calçadas. Graças à floresta, há chuvas temporais previsíveis pra inspirar uns escritos. Espero por eles.