
Ilustrações: telas de Modigliani
Marie colheu a doença da caixa de Pandora...
Ferdinand voltou a freqüentar minha casa, como nos velhos tempos, seu espectro solitário no quarto dos livros, o lugar escolhido, antes e depois da morte. Na primeira vez em que o vi, muito depois de sua partida, espantou-se de que o tratasse como se o tivesse visto há pouco. “E os fantasmas contam o tempo?”, perguntei-lhe, e ele me respondeu que sim, que o tempo é muitas vezes mais longo se a morte é triste. “Escolhesse uma morte melhor”, desafiei-o, e ele sussurrou que sua morte era triste porque havia escolhido morrer. Sempre que chego, encontro-o no quarto dos livros e conversamos sobre as coisas que temos visto. Eu lhe conto dos poemas de amor que escrevo, como um grito de rebelião contra o nada, dos sonhos em que os ocasos se fazem a qualquer momento, com a mágica simples do sopro de uma palavra doce. Ele me conta de quantos têm chegado por lá por vontade própria, tangendo esses mesmos sonhos. “Ferdinand, você está muito mais velho do que quando se foi”, disse-lhe um dia. “Na morte também se envelhece, Marie, e depois vem outra morte”. Eu acho graça de seu apego. Matou-se porque quis. Embaraçou-me em solidão e também ficou sozinho. Ferdinand diz que logo vou morrer também, do mesmo mal: a crença demasiada na vida. Eu não sabia, mas acredito no que ele diz.