segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Segunda Carta

Da série Linhas Tortas
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Deus, desde o princípio da humanidade a gente vem procurando pelo Senhor. E até onde tenho notícias, nunca alguém o encontrou na forma esperada: a humana, pra que se pudesse ter uma conversa olho no olho, pra desfiar o imenso novelo de reclamações recíprocas. Desde que nasci tenho ouvido falar que o Senhor está em todas as coisas, de preferência nas boas e nas bonitas... meu último amor me disse que Deus era a primeira coisa que via ao acordar e abrir os olhos pela manhã. Achei muito bacana, mas ando pensando que isso é muito mais poesia do que verdade, embora acredite na poesia como a grande verdade. Em carta anterior, já lhe disse que o mundo anda paradoxal... não espere que eu não seja também.
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Compreendo a lógica de que a palavra é múltipla, o homem é múltiplo, e não espero que Deus, sendo maior que a palavra e que o homem, ficasse aprisionado numa única forma. O problema é que assim fica impossível reconhecê-lo, principalmente nos momentos em que mais se precisa, os de desespero, aqueles em que se fica cego de todos os sentidos e por isso se cometem mais desatinos.
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Num desses momentos, por exemplo, saí por aí a sua procura altas horas da noite... e não é que encontrei um de seus esconderijos? Com placa e letreiro na entrada: Esconderijo do Altíssimo, rua Diógenes Silva, numero tal. Vamos combinar, nem é assim tão longe da minha casa. Mas estava fechado. De lá pra cá tenho pensado sobre o que lhe direi quando voltar lá e o Senhor me atender. Algumas perguntas já estão preparadas e posso adiantá-las.
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Pergunta número um: O Senhor tem tido bons sonhos?
Pergunta número dois: O Senhor perdeu o endereço do Haiti?
Pergunta número três: Onde pretendeis alojar, em cima da hora, os 150 mil mortos do Haiti (se é que sabeis do que estou falando)?
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Sugiro que o Senhor comece a mostrar sua cara de forma mais clara, caso contrário, seu governo está com os dias contados. E sabe-se quem pode levar a próxima eleição...
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13 comentários:

jac rizzo disse...

Oh, querida Lulih, adoro suas cartas que não encontram respostas!
Tenho as minhas, também, perdidas
pelas gavetas, várias delas soltas pela alma.
A pergunta número dois, me aflige sobremaneira. O Senhor perdeu o endereço do Haiti??

Abraço cheio de carinho!

Impressoes de Fevereiro disse...

São 150 mil mortos, mas o espaço entre as estrelas (entre uma e outra) é tão grande, que é possível acomodá-los todos. E mortos, sim, mas de teu ponto de vista, uma vez que vivem eternamente em Mim. Chamei-os de teu mundo à Minha presença, com alarde, e teus dessemelhantes ainda não entenderam, que, do jeito que tratam o planeta, o alarme é mais do que necessário. É preciso que acordem, acordem enquanto é tempo. Um dia, não haverá mais tempo, e isso não dependerá de Mim. Sonhos, tenho tido todos os dias e noites, quando durmo, e neles, um recorrente, que é o de fazer de novo a Humanidade em 6 dias e sair para um final de semana... Abraços.

Impressoes de Fevereiro disse...

Ah, sim, fique tranquila : minha reeleição está garantida. E olha que o tal de Chávez é topetudo !

Lulih Rojanski disse...

Deus?? Espere aí, vamos conversar! Discordo em alguns pontos...

Rejane disse...

Eis, pois, que a palavra é a única forma que temos para nos aproximar de Deus. Se no início era o verbo, nós o enfeitamos com desinências mil.

Anônimo disse...

Como assim, discorda ? Quais os pontos ? Adelante ! Imaginas-me um senhor de cabelos compridos e barbas brancas ? Costumo disfarçar-me de Maria Rojanski, só para confundir. Aguardo suas considerações. De A até Z. Principalmente o Z. Abraços. D.

Lulih Rojanski disse...

O senhor de cabelos compridos eu imaginava quando tinha sete anos... Agora imagino-o como uma lufada de brisa recolhendo dos escombros as almas das crianças haitianas. Sei que deveis ter outras preocupações, que não podeis perder tempo com minhas crises de fé. Portanto, sugiro dar por encerrado o episódio do meu desabafo, reafirmando, todavia, minha inabalável crença na sua existência.

julio miragaia disse...

Acho que Deus precisa ler um pouco de Marx pra chegar a conclusão de que ele não existe. ;)

julio miragaia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexandre Alves Neto disse...

E então pra quando é o parto dos novos textos? Um bj.

Mayara La-Rocque. disse...

E os homens, aonde estão?
Querida Lulih, um grande beijo!

Ernâni Motta disse...

Lulih, inicialmente, ocorreu-me a sensação de que você poderia estar tentando humanizar Deus, o que, para mim, humilde cristão, é um verdadeiro paradoxo, coisa a que se referiu, assumindo, inclusive, os seus. Mas, veja, não estou nem de longe a criticar as suas "crises de fé". Porém, dizer que encontrou o "Esconderijo do Altíssimo" fechado, pareceu-me que a tentativa de humanização não partiu de você e, sim, dos que mantêm com as portas fechadas. Há algo mais humano do que marcar hora para audiências, com o Todo Poderoso?

Fábio Luis Neves disse...

Nosso Deus é onipotente e onipresente, então estava lá quando aconteceu, e já sabia que o homem daria errado antes mesmo de criá-lo. Seguindo a lógica da onipotência, sabia que Satanás o trairia, que Eva comeria a suposta maça e que a daria à Adão. Mesmo assim insistiu. De tanto ser onipotente e onipresente, Deus se distancia demais dos homens que esperam dessa magnitude toda a redenção. Logo, vem a paráfrase de seu texto "a lógica é múltipla", multiplicada de complexiadade. E de tanto esperar pelo voto dado, esquecemos de nos eleger como cúmplices, algozes, responsáveis e, se houver alento, sensíveis e compaixosos aos que necessitam.