segunda-feira, 4 de maio de 2009

Divaganças e desesperações

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Tenho um amigo que anda pensativo sobre o destino humano, sobre o que somos e o que estará reservado a quem tem, por uma vida inteira, se dedicado a errâncias. Graças a Deus é só um. Nas ocasiões em que o encontro me sinto tentada a lhe dizer, com toda a crueza que tenho aprendido comigo mesma, o que penso sobre a epígrafe de um livro do Saramago – As Intermitências da Morte – que diz: saberemos cada vez menos o que é um ser humano. Mas tenho medo que lhe soe como uma terrível e invencível verdade. E que isto lhe mate o resto de esperança de descobrir de repente que somos qualquer coisa que o Céu aproveite mais tarde.

Prefiro continuar a vê-lo com o olhar perdido para as lonjuras do rio Amazonas, e ouvi-lo dizer as estranhezas permitidas a quem está chegando aos sessenta. Eu respeito sua cabeça branca. Outro dia me disse, com os olhos rútilos mirando o copo de cerveja: semana que vem vou passar 14 dias sem beber. Aperto-lhe a mão e lhe digo: Claro, eu compreendo como será comprida sua semana. Ele não entende. Está outra vez pensando na singular finalidade de nossa existência e importância no cosmos, se todos os seres vieram dos seres do mar, pra onde irão os bons e os bobos, os maus e os malas, etc. Eu penso no meu último desejo para o dia do juízo: lasanha de espinafre, que isso sim vale a pena.

Eu não mato suas esperanças, mas também não as alimento. Ando impressionada com a constatação de que o ser humano não muda, apesar da determinação científica de que a evolução nunca cessa. No futuro não teremos pelos no corpo... E daí, se estamos cultivando na alma monstros cada vez mais peludos e perversos que se expressam em nossas desumanidades diárias? Não. Não sou dada a obviedades existenciais. Já vou parar.

Depois de sua insólita promessa, meu amigo disse que não está contente consigo, que quer mudar, a burrice e a truculência com que tem se defrontado têm-no levado a repensar suas atitudes. E como tenha captado em meus olhos uma expressão de ceticismo nada sutil, arrematou: Ei, Lulih... eu estou mudando devagar. Reciclagem é fácil numa lata. Eu sou um ser humano. Foi a minha vez de estender os olhos para as lonjuras do rio. E meio envergonhada de minha própria desesperança, me limitei a divagar: por que todos os barcos são brancos?

11 comentários:

Itália Antunes disse...

Lulih, nada que um pouco de poesia não resolva. Mas eu quero saber por que todos os basrcos são brancos.

joana disse...

lulih
stephen hawking disse-o ser humano e uma estrutura tao complicada que questiona ate a existencia de Deus.porem fico imaginando como deve ser bom observar os barcos brancos

renato disse...

Olá, Lulih!

Não acredite em tudo o que escreve Saramago!

Há uma verdade inquestionável que nos foi descrita por Lavoisier:

"Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"! O nosso corpo também é matéria que sofrerá essa mutação!
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Sempre é preferivel divagar, devagar!!!

Beijo,

Renato

bete p.silva disse...

Certa vez, acho que esse mesmo amigo seu aí, estava conversando comigo, e acho que estamos perto desse mesmo rio aí. Eu reclamava, reclamava, reclamava da vida.

Súbito ele me olhou, mas por cima do meu olhar, devia mirar o rio, e disse: Bete, se alguém estiver agora, de uma estrela distante, nos observando, ele estará olhando para o passado, como nós, quando olhamos para uma estrela lá longe no céu. Nós já passamos, ele disse...

E acho que ele falou qualquer coisa de barco branco também...

Lulih Rojanski disse...

Sunshine,
Poesia...

Joana,
Joana Darc Gabriel? Que doce a visita de uma amiga de infância... Fazia tempo que você não vinha. Saudade.

Renato,
Se bem que a epígrafe não é do Saramago. O crédito é do Livro das Previsões. Mas acredito também em Lavoisier...

Bete,
Quer dizer que já nos apagamos há milhões de anos? Que boa notícia!
Beijos.

Z. disse...

L,

Lasanha de espinafre não está mais no Juizo, está no Céu.

Abraços,

Ernâni Motta disse...

Lulih, não sei escrever poesia, meditar me doi a cabeça e costumo entender as metáforas pela metade... Donde, se poderia concluir que já poderia partir, que não faria falta. Todavia, me recuso a isso, pois, ainda quero aprender a escrever poesia, meditar sem cefaleias e compreender, ao menos uma, metáfora por completo. Quem sabe não esteja ocorrendo o mesmo com o seu amigo, até porque temos [eu e ele] idades próximas.
Além disso, sou um homem cheio de dúvidas, e você conseguiu me impor mais uma: por que os barcos são todos brancos?... rs.
Um beijo.

Ricardo Soares disse...

mais um blog do Amapá!!!
gostei
bj

Ricardo Soares disse...

ahhh... em relação ao que comentou no meu blog !!! aquele bar que vc citou em macapá , que proibia beijos e abraços , eu conheci sim mas bem antes de 2006 ... acho que foi em 2002...serviam uma maniçoba ótima, ali perto do porto...cheguei até a fotografar o dono e a placa da proibição...hilário... um beijo... seu blog é bem legal!!!

ps. quem é a dona do blog toda prosa que aqui vi linkado ? tem o mesmo nome ( no feminino) do endereço do meu blog, no masculino... e é recente !! será que andei inspirando alguma coisa ??? heheheeijo

Lulih Rojanski disse...

Z,
Sim, e todas as lasanhas, sobretudo as das nossas mães.


Ernâni,
Estou pesquisando sobre a brancura dos barcos. Me disseram que é pra facilitar o resgate e salvamento no caso de afundarem... Pois é, se fossem amarelos, seria mais difícil a operação?


Ricardo,
Não sei muito sobre a Toda Prosa, apenas que se chama Felícia e que pretende ser um claro enigma. Mas gosto do duplo sentido do nome do blog.
Volte sempre!

Maria Rojanski disse...

Como certa vez me disse um professor – muito amigo –, as crises (nossas com a gente mesmo e com o mundo) são essenciais. Coitado do ser humano que nunca entra em crise; não cresce e vive pra sempre alienado.
Eu, por minha parte, concordo muito com ele. Por isso: viva a crise existencial!
Achei o texto demais.
Beijos