
Série Breves Contos
Ilustrado com tela de René Magritte
Tirou dos pés os sapatos e tocou a transpor o campo indivisível de florezinhas púrpuras na beira de um rio azul da França, a alma insustentável dentro do corpinho impúbere, do vestido bordado em borboletas sobre o fundo branco. Desejou ser pássaro, vento, beija-flor safira que percorresse o campo numa velocidade vertiginosa e a leveza de um coração de quatro gramas, ao encontro da mansa chuva de pedras preciosas que havia depois do arco-íris. Com seu olhar de beija-flor em vôo, viu os roedores que subiam árvores à sua passagem, pares de asas surreais sumindo no horizonte como miragens, viu as flores novas brotando entre as antigas, e ao abaixar-se para apanhá-las, viu os próprios seios nascidos na última manhã. Mas não viu o bando de borboletas que a perseguia desde a partida, voejando entre as violetas o seu tempo de reprodução, a sua fome de flor e seu errante destino. Transpunha o último arbusto, pensando em retomar a viagem ao arco-íris na próxima manhã, e mal percebeu – beija-flor projetando o vôo em três direções – a revoada das borboletas que alçaram vôo de seu vestido para juntar-se à onda incólume de borboletas que viajava rumo ao fim das fronteiras. De vestido agora branco, a alma insustentável e o coração de beija-flor em repouso, tocou a transpor de volta o campo indivisível de florezinhas púrpuras, à beira de um rio azul da França.
.