segunda-feira, 16 de julho de 2007

Agosto
Vês que de repente é agosto? Haveria poesia se fosse abril. Mas neste agosto súbito o que há é a lembrança de um alvorecer, que se tornará cada vez mais parecida a uma mentira, através dos dias que estão por vir. Lembras? O ruído cósmico do sol anunciando que naquele dia chegaria mais tarde, e que toda dor deveria ser deixada nas sombras da madrugada que já durava muito mais que o tempo. As águas do rio vinham trazendo pequenos arbustos que se moviam como náufragos, seguindo a trilha dos mergulhões, em busca da terra. E nós, náufragos da noite, tínhamos o ímpeto de nos lançar às águas, em busca de salvação. Havia por ali umas almas embriagadas, além das nossas, corpos estirados à espera de um sol paternal que os conduzisse pela mão a um porto mais seguro. E havia uma mulher bailando em torno de um homem cansado, tentando convertê-lo em menino. Depois, sentada ao seu lado, ela contava uma história triste, tirada de um livro, sobre alguém que perdeu todas as guerras, inclusive as do coração. E girava entre os dedos uma tampinha de guaraná como se fosse uma folha de louro entre os dedos alvos e diáfanos de uma pitonisa. A história aprofundava o olhar do homem que não queria converter-se em menino, mas a tudo ele respondia que sim, como quem diz sim a qualquer sorte. Foi quando chegou o sol que percebemos que era sábado, “o dia do presente”, e havia sobre o cais “uma tensão inusitada” de que somente agosto é capaz. Levantamo-nos à revelia de nossos próprios corpos gastos pela madrugada, e olhamos ainda uma vez o homem e a mulher antes de deixar o cais. Ela partia, tomando de carona o primeiro barco que zarpava, pois já era agosto, quando os barcos partem para onde existe quem sabe um abril. Se em algum sábado ela regressar, ele provavelmente, da maneira mais distraída, terá esquecido de como seu vestido tinha flores que se agitavam ao vento da margem, terá esquecido dos cirros que surgiram como anjos translúcidos por entre os nimbos, enquanto ela bailava naquela manhã.

6 comentários:

Anônimo disse...

Luli, esse texto é verdadeiramente bonito, parabéns. Tomei a liberdade de 'linkar' seu blog dentro do Impressões de Fevereiro. Obrigado, abraço.

Fábio Luis Neves disse...

Quiz partir, quiz regressar, quiz ser egresso, só não quiz me esquecer destas palavras! Eu me esqueci foi do mundo e nas palavras de Montenegro "ela teimou e enfrentou o mundo se rodopiando ao som dos bandolins". Seu texto me levou ao climax desta música! Me lembrou muito. Parabéns! continuarei visitando seu blog.

Anônimo disse...

Lindo...

Tuto... disse...

gostei...

O brejo da vaca disse...

Oi Luli,

Parabéns pelo Blog!

Adoro agosto. Afinal nasci em 08/08.

Bj

Walter

Anônimo disse...

Achei lindo, lindo, mãezinha. Pelo costume, às vezes esqueço que tenho uma artista (de verdade) na família... por um momento fiquei surpresa com o texto, rs. Tu és ótima. Em tudo! Te amo. Um cheiro...