segunda-feira, 21 de junho de 2010

Stephen in the sky

Dizem por aí que escritor que se preze tem um gato. Um gato que se deita sobre a folha de papel que espera apenas o deitar da palavra. Eu sei que parece história inventada (eufemismo para mentira) mas já tive 15 gatos em casa. De uma vez só. E aqui começa a história de Stephen Fry.

Maria trouxe do colégio um filhote de gato preto. Trouxe-o porque o encontrou vagando pelos corredores, atônito, sem saber em que série estudava. Trouxe-o debaixo do braço. De ônibus.

O gato preto foi recebido com carnaval em casa e passou a se chamar Gato Preto, embora tenhamos logo percebido que se tratava de uma fêmea – que enquanto viveu, procriou três vezes e deixou várias herdeiras. Não é preciso dizer que por essa época ficamos impedidas de receber visitas. Havia gatos morando no sofá. Rasgando o sofá. Mijando no sofá. Gatos de todas as cores possíveis, porque a Gato Preto fazia dessas cachorradas de variar os parceiros.

Foi quando percebi que não mandava mais em minha própria casa – os gatos já dormiam em minha rede, trocavam o canal na hora da novela e usavam meu hidratante – que comecei a doar gatos. Pra quem não aceitava logo, eu dava o gato mais uma nota de 20. Alguns foram assassinados pelo vizinho, que todas as noites se armava de uma cerca elétrica.

Dos 15, sobrou Stephen Fry. Sobrou porque foi devolvido por uma das pessoas que aceitaram a doação. Voltou para casa magro, triste, sem a nota de 20, e se tornou o gato mais importante da história da minha vida. Era branco e cinza, e tinha – creia, por favor – os olhos de Brad Pitt. Foi o maior cafajeste de sua geração em nosso bairro. Não havia gata que resistisse ao seu charme e gato que não lhe quisesse partir a cara. Mas foi também a criatura mais doce da família, capaz de me fazer carinho nos cabelos na hora da sesta – que ele não abria mão de tirar comigo.

Sophia, a poodle, nutria por ele uma paixão desesperada. Por que não? Até onde se via, o mundo deles era o mesmo. Tico-Lyn, o marido da poodle, olhava como se nem fosse com ele. Stephen aceitava, e talvez até correspondesse àquele amor. Libertário, fingia cochilar sobre um livro aberto do Roberto Freire: Ame e dê vexame. Cada dia num capítulo diferente.

Suas sete vidas duraram quatro anos. Faz um que ele foi rasgar sofá no paraíso. Hoje, logo que acordei, bateram à porta. Fui abrir e dei de cara com a saudade de Stephen. Está aqui até agora, tomando café comigo num copinho de geleia.

Sou uma escritora órfã de gato. Todos os dias pratico a escrita, a leitura e a saudade. Às vezes choro pelos meus 15 gatos e por outras razões. Mas são por Stephen Fry as minhas lágrimas mais honestas.

4 comentários:

Lulih Rojanski disse...

Texto explicativo para rodapé que, por uma dessas esquisitices do blogspot, não coube na postagem:

Stephen Fry é o nome de um ator britânico que passou um tempo desaparecido, depois de receber críticas de um jornal londrino à sua atuação numa peça de teatro. Foi inspiração para a música Por onde andará Stephen Fry, de Zeca Baleiro, que por sua vez inspirou o nome do meu gato.

Aline Cristina disse...

Esse texto é delicioso... Muito bem humorado! Deixou o meu dia mais leve e me fez lembrar do teu olhar... Tudo haver seu olhar e o olhar de gatos.

Alexandre Alves Neto disse...

Aline disse tudo.

Itália Antunes disse...

Deliciosa escrita.