segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O nome das coisas

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A gente já sabia que as coisas têm nome, mas nunca tinha prestado atenção a quantas coisas as coisas têm, além do nome. Arnaldo Antunes então disse: As coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido. As coisas não têm paz. E a gente passou a ver certas coisas com outros olhos, outros narizes e outras bocas.
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Vejam só quantas coisas tem a coisa janela, por exemplo. Tem tamanho, tem cor, tem lirismo e poesia. Nem posso imaginar outro nome para janela, ou outro nome para poesia. Aurora, então, é uma coisa que têm luz até no mome. Saudade, além de uma recôndita tristeza, tem reticências, tem extensão: que coisa comprida é a saudade...
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Sim, temos uma língua que batizou bem as coisas, embora haja coisas que ainda carecem de nome. Como se chama, por exemplo, aquela sensação que se tem na boca do estômago ao se lembrar de repente de algo que causou extrema emoção? Qual é o nome daquela valetinha situada logo abaixo da nuca de algumas pessoas – não de todas – que tem um cheiro intenso de feromônio? Como devo chamar a atitude de quem acha que pode arrancar folhinhas, colher uma florzinha daquela planta que nunca regou? Covardia? Não. Pensemos num nome menos eufêmico.
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Enfim, covardias à parte... Arnaldo Antunes é uma criatura doce. Ponto final.

11 comentários:

Impressoes de Fevereiro disse...

Das três perguntas, respondo que a sensação da boca do estômago pode ser chamada de vertigem. A valetinha já ouvi dizer que é o "olho-do-coisa-ruim". Mas não consegui pensar em um nome menos eufêmico que caracteriza a atitude das criaturas que arrancam folhinhas ou que colhem flores.

Há um amanhã que acredito, e que chamo de aurora. Minha Júlia está começando a escrever. E em suas palavras consigo achar um começo de aurora. Pode ser um grande dia. Pode ser que chova. Prefiro acreditar que será um grande dia...

Abraços, boa semana. Z.

nai ara disse...

não inventaram nomes pra muitas coisas e sensações... e, acho que se inventassem, ficaria tão simples, que nem seriam tão especiais. que não seriam inexplicáveis por serem especiais por serem inexplicáveis. ah! tu entendes...

não ouso escrever nada depois do teu ponto final em relação ao arnaldo antunes... é isso mesmo!

beijo!

Alexandre Alves Neto disse...

Lulih, bastaria meia palavra sua para os bons entendedores. Mas suas palavras são sempre inteiras, além de belas. Abs.

Lulih Rojanski disse...

Z,
Ainda que chova será um grande dia. Aliás, será um grande dia porque chove...
Um abraço.

Nai,
Na verdade, acho que poucas coisas no mundo - neste - ainda não têm nome. Gosto de ficar pensando em como poderiam se chamar.
Beijo.

Alexandre,
Consegui dizer o que era preciso?
Um abraço.

Paulozab disse...

E agora? Quem tá fazendo companhia pra vocês?

Unknown disse...

Sem dúvida você disse o que queria dizer.
Legal!

Lulih Rojanski disse...

Zab,
Ninguém pode substituir Stefen Fry...

Aline,
Agora deixemos as coisas em paz. Bj

Itália Antunes disse...

Arnaldo Antunes é muuuito!!

Fausto Suzuki disse...

Lulih, Obrigado.
Você escreveu as palavras que todos têm dentro de sí, e nem sequer sabiam que existiam.
Eu, inclusive. Ainda bem. Se não há a palavra pra denotar algo, há o sentimento. Ave.

Fábio Luis Neves disse...

Lulih, realmente o Arnaldo é doce/sensitivo demais, tenho a impressão de que ele escreve tudo que a gente poderia ter escrito e sequer notou, tivemos que se chocar com o óbvio mostrado por ele, como numa espécia de filósofo grego a.C. que observa extasiado/indignado no mundo o que os cercava e ainda, mesmo 26 séculos depois, ainda é pouco visto pelo homem.
Adorei a saudades que já vem com reticências, contramão de lírico!
Uma boa referência nesse tema do nome das coisas é o "Alice no país das maravilhas", lá tem um capítulo extremamente reflexivo sobre isso, quando Alice entra num bosque onde nada tem nome e descobre que para nomear tudo deve ter um porque, acredito que o Arnaldo leu e se refere "As coisas" com essa influência...
Beijos Lulih, desculpe a ausência, tempos díficeis de navegar as vezes nos avassalam, mas vou tentar tirar o atraso e me deleitar aqui o máximo, tá?

João Esteves disse...

Não resisti a uma volta a outubro para comentar este post seu, Lulih.
É que este é sobre palavras, ou sobre um jeito especial de ver e tratar palavras, para além de dicionários, por exemplo. Tendo A. Antunes como ponto de partida, o resultado foi esta blogada de peso. Encantadora.