domingo, 20 de setembro de 2009

Das coisas de ser

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Então comecei a ser coisa. De passagem pelo setembro acanhado de incertimentos, carregava perguntas nas cordas das sandálias, preguiças penduradas nas pontas dos dedos, delicadências nas raízes dos pêlos. E a ilusão de que havia silêncio nas pedras. O vento me oferecia uma cadeira à sombra de violetas, e ali a morte vinha dizer que o tempo tem cor, zombando da minha descompetência para ver a cor que me teve a infância. Era assim que eu repetia os crepúsculos. Sintomas de solidão até a luz dos vaga-lumes. Do tempo que passo em estado de coisa, me acostumei a ser coisa... pedra gozando vento, pétala à flor da água, grão de areia brotando em vegetal, voz de grilo na trilha da noite. Quando me vier o anjo perverso que se ocupa em me esvaziar em desertos, me dirá mais uma vez que vou morrer na vigésima quinta hora mais oblíquos minutos. Não me causará mágoa porque agora me sinto coisa em minha postura e deseternidade. Poderá me encolher em desfolhamentos se assim eu for folhagem. Sendo pedra, lhe direi um sorriso mineral, varado de amanhecer. E pássaro em repouso, um olhar breve que se amansa em nuvens. Acostumei-me a ser coisa, e quando a nova manhã soprar a lufada de céu sobre meu rosto, quero apenas ser terra que germina outras coisas num dia inventado de azuis.

11 comentários:

julio miragaia disse...

obrigado. precisava ler algo assim hoje...

julio miragaia disse...

pra talvez embelezar meus desesperos...

Itália Antunes disse...

Que coisa!
Adorei.

Caio Bulhões disse...

conclusão antecipassada: o futuro adeus pertence. Abraços. Z.

Unknown disse...

Eu respiro fácil quando você escreve... Bj.

julio miragaia disse...

esse post reoxigênou minhas abstrções no desuniverso: http://vivaocudaanta.blogspot.com/2009/09/memorial-do-voo-migratorio-o-fruto-e.html

bjos

Lulih Rojanski disse...

Júlio, Sunshine,
Z, Aline...

Obrigada pelo olhar felizonho sobre a existristência das coisas.

Luma Rosa disse...

Viramos coisa em alguma hora, coisa que não ouve, que não pensa, que não fala, que não respira, que não vive mais! Beijus

jac rizzo disse...

Lulih, que bom virar coisa sob o
efeito desses milagres!
De repente, ser pétala de flor ou
grão de areia, voar com o vento, ou
saber a cor da infância...

Só você, dentro da sua sensibilidade,
traduz essa sensação!

Beijos.

Lulih Rojanski disse...

Menina Luma,
Menina Jac...

Obrigada pelas referências nesta segunda-feira em que amanheci palavra.

Beijos.

Fábio Luis Neves disse...

Desse posso dizer que é simplesmente lindo!
Mais uma vez contramão de lírico; reiventar cores e beleza nos descuidos da solidão é transformar o drama em reflexão, ou querer simplesmente fazer o sangue circular por onde circula sem pedir permissão...