segunda-feira, 11 de maio de 2009

I

Escrevi uma pequena série que não pretende se enquadrar em nenhuma forma literária – nem conto, nem crônica. São apenas textos que fluíram do desejo de dizer... Dei à série o nome de Linhas Tortas.


Deus, não espero que a esta carta o senhor responda formalmente, já que não me respondeu a tantas outras. Mas espero por um sinal. Se o senhor se aborrecer, pode responder com um temporal que arranque as telhas da minha casa, por exemplo. Antes assim do que me deixar pensando que para o senhor eu sou apenas uma bolha n´água.
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Estou lhe escrevendo para dizer que acho que o senhor dorme, sim. Ao contrário do que dizem os pára-choques dos caminhões, que Deus não dorme. E acho inclusive que o senhor anda dormindo de touca, perdendo a boca e fugindo da briga, senão como é possível explicar essa vida tão torta?
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Eu sou um cara simples, que até pra escrever precisa da ajuda dos poetas, de quem vive tomando versos por empréstimo. E pra não parecer leviano poderia enumerar razões para a certeza de que o senhor dorme, mas esta é tão grave que deve ser suficiente... olha: João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
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Percebe o tamanho do desencontro? É a maior das catástrofes humanas. Se Lúcifer tivesse vencido a revolução contra o senhor, talvez tivesse administrado as coisas de modo mais simples: João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e Lili se amariam uns aos outros, e viveriam em recíproca e constante entrega de seus corpos e almas, sem que isso representasse uma vergonha. E seriam todos felizes. Não vamos nos enganar.... Lúcifer é um libertário!
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Eu não queria parecer vago nem obtuso, mas o mundo sob o seu comando anda muito paradoxal. Em quem eu devo acreditar enquanto o senhor dorme? No sujeito que disse que existe muito mais inferno entre o céu e a filosofia do que possa supor meu vão mistério? Em que eu devo pensar enquanto espero providências: no poder da olfação dos gnus? Na migração sazonal das borboletas amarelas?
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Lili continua sem amar ninguém, e eu me despeço sem pedir desculpas, porque não sou do tipo que morre de medo quando o pau quebra, embora haja quem diga que eu não sei de nada e que eu não sou de nada. Assino embaixo tudo o que disse. As outras dúvidas que possuo ficam para a próxima carta, que o senhor poderá ler quando acordar. Se...

20 comentários:

Maria Rojanski disse...

Uma preciosidade! Genial.
De minha parte, a série - que nem bem começou - já está aprovadíssima.
Beijocas

Unknown disse...

Grande sacada lulih!...O que dizer de desencontros?Posso dizer que a vida poderia ser mais simples,todos com um só caminho,tipo preto e branco sem tantos confetes...eu por alguem e alguem por mim,entende?
Mas que esse fosse o verdadeiro destino de todos poxa,sem margens!
Enfim,vamos concordar todos e mandar cartas à DEUS,talvez só assim ele perceba a vergonha de tantas linhas tortas que ele entorta e agente "tenta" desentortar.E vamos escrever sem culpa,todos e todas.
Bravo querida,que venham outras e outras cartas suas.
Um beijo.

Márcia Corrêa disse...

Ah! Luli. Uma beleza. Essas cartas serão os pergaminhos do nosso tempo? Tanto que me encontrei nessa primeira.

Lulih Rojanski disse...

Maria, Aline e Márcia,
Pois é, meninas. O amor...

jac rizzo disse...

Lulih, pensei em fazermos um imenso abaixo-assinado.
Lendo Mencken, uma vez, me maravilhei com ele dizendo que poucos fatos via, que comprovassem
a existência de tal Deus, como nos é ensinado.
O todo poderoso!

Como vamos venerar o deus das guerras e de
todas as misérias?
De tantas dores e desespero?
Porquê alguém tão perfeito criaria um mundo tão cruel?

E ainda por cima, com um cupido
tão burro...rs.

Adorei sua carta!!
Era exatamente isso que eu queria...um pequeno sinal, Lulih! Um mínimo sinalzinho!

Ou ele nos criou, nesse planeta maravilhoso, só para fazermos besteiras e o destruirmos, estúpidos que somos?

Ando sempre à cata de respostas,
enquanto as religiões correm em busca de dinheiro...

Lulih, Lulih, Lulih...grande abraço!!

joana(amiga de infancia) disse...

lulih.
desde sempre,e vc me emocionando com a sua arte.
joana

Anônimo disse...

oi, seus textos sao bonitos, mas tao sem esperança...

felicidades!

abraços


Fernanda

Lulih Rojanski disse...

Jac,
Então escrevamos, que assim às vezes encontramos algumas respostas.

Joana,
Linda!

Fernanda,
Onde está a esperança, pra eu ir lá pegar um pouquinho? Felicidades pra ti também...

MARCOS QUINAN disse...

Maravilhoso

Abraços

Lulih Rojanski disse...

Quinan,
Obrigada sempre!

Anareis (ou Ana Reis?),
Seria interessante se pudéssemos doar livros, já que se trata de uma biblioteca.

Anônimo disse...

LULI, tudo lindo e deixando a gente tão extasiado... sábado vou falar de literatura para meus alunos e vou levar o mini conto da florzina, que eu adoro, a serie sobre as mulheres eu imprimi pra ler com a calma e a delicadeza necessárias. obrigada

Anônimo disse...

LULI, espero ter conseguido publicar e te fazer conhecedora das minhas visitas e do meu carinho. CARLA NOBRE
ah, as cronicas uma outra turma leu e ADOROU!!!

bete p.silva disse...

Sabe, Lulih, o braço de Deus nesse mundo sem Deus somos nós...

Erick Boaventura disse...

O céu é um convite para um belo sono, e aí está o problema, pois o Senhor dorme e nós nos desencontramos quando seus olhos estão fechados... Lindo isso tudo que você escreveu... Beijos poéticos

Lulih Rojanski disse...

Carla,
Bete,
Erick,
Deus está acordado nesta madrugada!

Ernâni Motta disse...

Lulih, essa carta é uma delícia! Mas, ao que parece, temos ideias diferentes sobre o caos, porque eu gosto desses desencontros, desses paradoxos... Eles nos põem a pensar... E pensar é um negócio esquisito, mas gostoso, você não concorda?
Quero lhe dizer ainda que dia 31, chego a Macapá. Junto com alguns blogueiros estamos pensando em fazer um grande encontro. E gostaria de contar com a sua presença.
Um ótimo domingo para você.
Beijos.

renato disse...

Oi, Lulih!

Você continua prodigiosa na forma de tratar o caos e o que lhe está associado, embora com algo de paradoxal! Mas gostei da abordagem do tema!

Beijinho,

Renato

Lulih Rojanski disse...

Ernâni e Renato,
É, tenho andado com pensamentos paradoxais ultimamente. O resultado é isso: escritos paradoxais.
Abraços.

julio miragaia disse...

DEUS CONTINUA PESCANDO TODOS OS DIAS ENQUANTO O MUNDO EXPLODE POR DENTRO E POR FORA DE NÓS...
REAPARECENDO NA BLOGOSFERA...
ÓTIMO TEXTO. ADORO PROBLEMATIZAR O SACRO. VC FAZ ISSO MARAVILHOSAMENTE BEM LULI.
BJOS

Pepê Mattos disse...

Meu primeiro contato com deus foi quando o vi numa bíbia ilustrada nos meus primórdios. Não foi algo de que me lembre com alegria. Daí em diante em todas as religiões lá está ele a me chamar pra dizer que ele mudou e coisa e tal. Cartas jamais lhe mandaria, já que eu não faço parte do seu exército de construtores de igrejas. Mas o texto reacende nosso lado daquilo que Harold Bloom chama de "anjos caídos". E deu pra perceber que esse tema é apaixonante, naquilo em que suscita de polêmico. Com satisfação, vejo que já não estou sozinho nesse barco... Um belíssimo texto, of course... Abraços...