domingo, 20 de janeiro de 2008

Campo de vaga-lumes

Um texto da gaveta, lembrado neste domingo de chuva
em que as árvores gotejam mangas...
Parecia um campo de pequenas flores fosforescentes, ou uma constelação que tivesse descido de sua imensa distância de anos-luz. E era na verdade um campo de vaga-lumes, que se estendia por quilômetros de beira de estrada, iluminando os confins da nossa viagem sem lua.
A foz do rio e a brava pororoca haviam ficado para trás há poucas horas, quando a chuva de todo um janeiro resolveu tombar impiedosa sobre as nossas costas. Em cinco horas de viagem rio acima, embora algumas aves noturnas principiassem a se exibir como se fosse noite, e as capivaras saíssem das tocas faiscando os olhos, e ainda as palmeiras se curvassem sobre o rio, vergadas ao peso da intempérie, encharcados sob o frio havíamos adormecido em nós a poesia. Desejávamos apenas chegar à margem que nos esperava, sonhávamos com um sol que nos desse o conforto do calor pelo resto da viagem.
Então descemos, ao final da tarde, na calmaria da margem pedregosa e palidamente ensolarada do rio Araguari, e depois de um breve descanso pegamos a estrada noturna que nos levaria à região dos lagos do Amapá, passando pelo campo de vaga-lumes.
Era noite quando começamos a ver os pequenos pontos fosforescentes à beira da estrada. Foi quando tivemos, como poucas vezes em toda a vida, a chance de voltar à infância. De mãos espalmadas nas vidraças do automóvel, ficamos ali parados, olhando o espetáculo, como quando crianças olhávamos as coisas que nos hipnotizavam de encantamento.
Um campo, um imenso campo se estendia até onde a vista não alcançava, de vaga-lumes que se moviam como impelidos pelo vento outonal da Amazônia noturna sobre a vegetação rasteira. Pareciam pequenas flores que se esquivassem sutilmente à intenção de colheita. E era o recôndito desejo que guardava cada um de nós: colher, ainda que fosse apenas uma.
Aos poucos, ao passo lento do automóvel cujos faróis rompiam as nuvens de poeira deixadas atrás dos caminhões apressados vindos de Oiapoque, os vaga-lumes – poeira das estrelas polidas por Deus, segundo os indígenas – foram rareando, até que ficaram na paisagem apenas as corriqueiras estrelas, tão antigas quanto o mundo, a nos dizer que um campo de vaga-lumes é pra se ver na vida uma só vez.

2 comentários:

julio miragaia disse...

interrompi brevemente a leitura diária que faço no ônibus de cem anos de solidão(pode acreditar, eu leio muito em ônibus) para ler teu texto. senti o mesmo ambiente amazônico e interiorano se condensando com esse fantástico que é ao mesmo tempo tão real, de observar um campo de vaga-lumes e deixar a imaginação fluir sobre as diversas possibilidades de interpretação. gostei da imagem de pequenas flores se esquivando e tudo mais. lindo...

julio miragaia disse...

mais uma coisa q ia esquecendo luli. eu e um amigo estamos montando um blog novo q conta a história de uma roma imagnária e que, bem, é díficil explicar, só dando uma olhada p entender. o endereço é esse: http://soldadosdestruidospelalepra.blogspot.com/
não se espante com a censura prévia do blogspot. hehe. viva a maldição dos que se atrevem a escrever. fui.