sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Um ano zen

Fernando Pessoa tinha toda razão: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. Pois é isto. Acabo de regressar de um período bem curto de retiro para o meio do matão amazônico, onde um rio de águas pacíficas lembra o rio de águas diáfanas de Macondo, onde a casinha de minha mãe parece ter escolhido o melhor lugar sob as nuvens que se desmancham em chuvas todas as tardes, e quase não percebo que outro ano chegou. É um lugar onde não se tem tempo de prestar atenção ao tempo que parece eternizado nas ruazinhas cor de poeira que se arrastam montanhas acima, nas cabeças tristes das vacas que também parecem, desde dez anos atrás, plantadas no mesmo lugar, na chuva que encharca devagar as cercas de tábuas e infesta o ar de um cheiro de terra e minhoca e madeira nova, na enxurrada que arrasta as acerolas e as fezes das galinhas que se ouriçam sob as hortas suspensas. Minha mala, que transportou para lá uns livros “mais áridos do que três desertos”, retorna para casa cheia de saudade desse tempo calcificado onde a intensidade das coisas possui outras medidas, outro gosto e outros verbos. Agora que chego é que vejo que é janeiro outra vez. Mas é tarde: o tempo já tem outro significado. E já que ainda assim as convenções obrigam a contá-lo, trato de consultar logo as previsões para Cavalo neste ano do Rato. Prometem-me um ano zen. Ótimo, mesmo que lá pelas tantas ele se apresente cin-zen-to.

5 comentários:

Anônimo disse...

Feliz Ano Novo !

Z. de Zen (e família)

Fábio Luis Neves disse...

É óbvio que o tempo passa em todo lugar, mas é certo também que a maneira que este passa parece ser cuidadosamente peculiar em alguns locais. Sejam cem anos de solitários, sejam dias de férias em ritmo diferente. O interessante é saber viver as diferenças, mesmo que sejamos críticos a vida turbulenta da globalização. Adorei o final cin-zen-to! beijos!

Mayara La-Rocque. disse...

Além do blog do Júlio, que me trouxe até aqui, o Rojanski também me chamou atenção. Já li textos de uma Rojanski(Maria), que me pareceu similar ao ar limpo e ordenado de suas palavras. Não sei se é pura concidência, ou coincidentemente, há algum parentesco entre vocês. Mas ambos, gostei de ler.

Maria disse...

Teu blog está lindo, mamãe.
:)

Anônimo disse...

Crê que seja por demais egoísta sentir felicidade ao saber alguém arrancado do Paraíso?!
Pecadilho assumido, Luli: feliz, franca e genuinamente feliz por lhe saber de volta.

Fica um forte abraço, meu.


P.S – Sublinho o reparo de Maria: assim caiadas as paredes, rasgado o frontão em escadaria, o blog ficou lindo, sim.