terça-feira, 30 de março de 2010

Pássaros de papel

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A lembrança é remota, como das coisas que se vivem em sonho. Mas lembro que atravessava o Largo da Ordem numa tarde de ventos em que os canteiros da Praça do Relógio explodiam em flores de primavera em pleno verão de Curitiba. Foi então que o anjo, que neste dia andava calado ao meu lado, me disse ao ouvido: “olha o poeta...” E olhei, e vi que daquela vez não era mais uma promessa que me fazia o anjo, que costumava caminhar com a mão entrelaçada à minha sob as paineiras.
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O poeta estava mesmo ali, ao alcance de minha crença pueril de que a poesia podia ser vista com os olhos. A despeito do tempo, continuo acreditando. Estava ali, Leminski, com a elegância de “um homem com uma dor” que ganhava o tempo de toda uma tarde comovendo-se com os pequenos pássaros de papel que os colegiais libertavam sobre os gramados.
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Estava ali, recolhendo versos do quadro da tarde, e como se nos “olhasse de dentro de um diamante”, sorriu ao nos ver passar, como passavam os pássaros de papel no vento. Ou porque tivéssemos os olhos de quem testemunhasse uma aparição cósmica. “Leminski...”, sussurramos eu e o anjo, naquele instante cristalizado no tempo, e depois apenas o vimos se ir, telúrico e quase marginal, caminhando “assim de lado”, levado pelo crepúsculo, com um pássaro de papel colhido na concha da mão.

9 comentários:

Alexandre Alves Neto disse...

Lulih, Eu gostei demais desse passarinho de olhar firme com um olho só. Bjk.

jac rizzo disse...

Lulih, que lindo está seu blog!
Me emociono com suas palavras.
Não lhe falei que vc faz mágica
com elas...
A emoção, hoje, fica por conta desses
pássaros no olhar desse poeta...
Ave Lulih, onde cato a poesia de
cada dia! Bjos.

Lulih Rojanski disse...

Nossa! Como eu gosto encontrá-los por aqui, Alex e Jac. Vocês são como eu: à flor da pele. Adoro!

joana disse...

salve lulih
meu coracao entra em festa,parece natal de crianca sempre que leio suas palavras.ler vc hj foi meu presente.

joana

Ernâni Motta disse...

Lulih, me senti em plena Curitiba! Mas, mais que isso, você me retornou a Macapá, dos tempos idos, quando, após um daqueles aguaceiros, corríamos para a rua, com os nossos barcos feitos de papel, a fim de que eles fizessem as viagens dos nossos sonhos.
Uma Feliz e abençoada Páscoa para voce.
Beijos.

Lulih Rojanski disse...

Joana, querida, lembrei muito de vc por esses dias, pela proximidade do seu aniversário. Que saudade!!

Obrigada, Ernâni... Os barcos de papel fazem parte da minha vida, assim com os pássaros de papel.
Um abraço.

Itália Antunes disse...

Lulih, te vi, te vi passar, mas parecia que era o rio que passava, que o céu passava e você ficava ali perpetuando-se no anoitecer da orla, enquanto o mundo passava. Um beijo e fique com Deus.

Kiara Guedes disse...

Pedacinho do que já fomos, barcos, passaros, tudo torna-se bússola nào é mesmo?!

Fui na Transamazonica, mas ainda nòa tinha o Livro :( Fiquei tristinha mas não desisti, né! rs

Bjs

Fábio Luis Neves disse...

Esse é pra mim um dos melhores dos últimos posts!
Quanta imagem fecunda e sensitiva, quanto da narrativa escorre entre imagem e lirismo, só podia ter a imagem de um poeta e da imagem de um poeta ficcional a imagem de um poeta Lemisnkianamente relembrado, recriado e num fio condutor de toda imagem os pássaros de papel, dando todo o caráter literário do além do que se vê.