quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Ana e o mar

De tarde vejo Ana vestida de azul sobre uma rocha, procurando no horizonte o fim do mar. Sabe que de lá virá seu homem que foi para voltar. Como prometeu, ele trará uma esmeralda tão verde quanto os olhos de Ana, e ela espera há tantos sóis, que talvez se tenha perdido nas contas dos navios que viu chegar sem trazer o marujo sujo, de retorno à pátria e ao seu abraço. Um dia ele chegará com a pele curtida do calor de outras pátrias, com os cabelos compridos e amendoados pelo sol, e terá nas mãos o gosto amargo dos adeuses inumeráveis em outros cais. Nos olhos a luz serena das tardes de Fiji. Ana acolherá seu marinheiro, sem perceber que aquelas mãos que pousam como asas em seus cabelos têm ainda a areia das praias onde ele viveu estrangeiros amores, que sua pele tem o sal ainda fresco do suor de outras peles, e que seu coração não tem mais porto. E o marinheiro, acostumado à luz pálida da solidão dos olhos de tantos marujos do percurso, não perceberá que os olhos de Ana continuarão estendidos ao mar, à espera do homem que virá.

7 comentários:

bete p.silva disse...

Ana já nem sabe mais quem é que espera, ela até ja esqueceu...

julio miragaia disse...

ana sabe muito bem o que espera pelo visto. só que mais uma vez o tempo consumiu esse ser que já não é e que foi levado pelas areias das praias, areias que também servem para nas ampulhetas levarem as horas e os anos e as vidas...

Anônimo disse...

Ana, estás sonhando?... Antes fosse... Jura-me que teu olhos jamais pousarão noutro homem do mar, além de mim?... Meu doce homem do mar, o que me pedes é difícil e de difícil me basta esta vida... Olha, meu barco não tarda a ganhar a lâmina das águas... Mais cruel que a lâmina das águas é esta que me deixa lanhada minh'alma... Não tema, as distâncias inexistem para quem vive de esperanças... O que dizes me chega como um canto das ninfas que enamoram homens do mar como tu... Elas são necessárias, bem o sabes: dão conforto à saudade que mulheres deixam nos homens do mar... O que dizes? Ninfas são sortilégios em forma de monstros marinhos... Não é o que os homens contam... Não sorria, sinto o fel da mentira a estampar tua bela face... Bom, é chegada a hora de ir. Não demora e estarás a esperar outro homem do mar... Por quem me tomas?... Por uma mulher que estende seus doces olhos como faróis a orientar corações andarilhos... Bem o dizes. Mas, vai homem do mar. Singra os mares e sangra meu coração... Em que porto pararei, mulher dos olhos de farol?... Não há resposta para o que me inquires... Desejo-te sorte. Ficas com teus deuses da terra, do ar e do mar... Boa viagem, marinheiro. Que teu próximo porto te dê em dobro tudo o que te ofereci... Adieu, madeimoselle... Adeus...

carmen disse...

Nossa, Lulith, que lindo, muito lindo...

A vida nos faz divagar, em busca do se foi e que, ao voltar, já não corresponde ao que esperávamos...

Nós mudamos, e acabamos por redesenhar a realidade, tornando-a mais bela do era...
E o marinheiro, tão vivido e viajado, perde aquela alma que nos cativava e encantava... tornando-se tão rude quanto as asperezas da sua própria vida, tão calejada...

Obrigada pela sua visita ao meu Blog. Volte sempre que quiser, será sempre bem vinda!
bjs

João Esteves disse...

Maravilha de texto, com um belo enfoque possível da espera. Venho conhecer-lhe o blog já agradecido antecipadamente por sua adesão ao Bonde. O diálogo interblogs está iniciado.

Anônimo disse...

Olá, Lulith!

Este texto está muito bem explanado e com uma férrea vontade de agradar aos seus leitores!

Boa semana para si,

Bjs

Renato

Viviana disse...

Olá Lulih,

Gostei muito do seu texto.

Admiro, como usa palavras tão belas, tão especiais, para nos fazer entender o que nos quer contar.

Sabe que eu acho que a língua portuguesa tem tantas palavras belíssimas,as quais nunca ,ou raramente são usadas...

È uma pena.

Obrigada pelo seu post.

Tenha um bom resto de dia.

um abraço

viviana