quinta-feira, 3 de abril de 2008

Quimera

Série Ensaios Sobre a Ternura

Quando menino, sonhava com um par de botas e uma capa de chuva colorida, vermelha, laranja, azul, para passear sob as garoas e aguaceiros, brincar de deixar a chuva deslizar pela transparência da capa e respingar-lhe amorosamente o rosto, atolar-se de botas na felicidade das poças argilosas da rua. Quando velho, teve os melhores guarda-chuvas ingleses, as botas do melhor couro compradas no estrangeiro, para usar quando não pudesse evitar a saída. E nas janelas do casarão, cerrava as cortinas para não ver nunca mais aquele menino que lá fora iludia a quase indigência e continuava a brincar na chuva, sonhando com as botas, com a capa colorida, vermelha, laranja, azul...


Ilustração: obra de Joan Miró

2 comentários:

Paulo Tarso Barros disse...

Olá, Luli, muito bonito o seu blog. Seus textos dispensam comentários. Tenho indicado e emprestado seu livro de crônicas para muitos estudantes. Um abraço do amigo Paulo Tarso

Fábio Luis Neves disse...

O menino só vias as cores e não via o entardecer dos tempos. O velho possuía as cores que agora não eram mais tão vibrantes. Ele via o arco-íris do passado e já não queria mais. E eu vejo mais um belo texto deste estilo curto que eu acho sua especialidade Luli!